Havia, no Sul do Brasil, uma tribo de índios cujo cacique era amado por duas jovens muito bonitas. Não sabendo qual delas escolher para esposa, o jovem cacique prometeu que se casaria com aquela que tivesse melhor pontaria. Assim sendo, fez-se uma competição e as duas jovens atiraram suas flechas, mas só uma delas acertou o alvo e casou-se com o cacique. A jovem que perdeu a prova se chamava Oribicy. Ela chorou tanto por ter perdido seu amado, que suas lágrimas formaram um córrego. Sua tristeza era tanta, que pediu a Tupã que a transformasse num passarinho para que ela pudesse visitar seu amado sem ser reconhecida. Tupã realizou o desejo da moça e Oribicy, com sua nova forma, voou até o amado. Para sua grande tristeza, constatou na visita que o cacique vivia muito feliz com sua jovem esposa. Oribicy resolveu ir embora e voou para o Norte. Tupã, para consolá-la, deu-lhe um canto especial, que a faria esquecer sua dor enquanto o entoasse e atrairia quem quer que o escutasse. Assim, a jovem não ficaria solitária.
É por isso que o uirapuru, o pássaro que não é pássaro, vive a cantar e a atrair com seu canto todos os que o ouvem. Esse fenômeno acontece realmente. Na floresta, mesmo se todos os pássaros estão a cantar enchendo o ar de melodias e gritos diversos, quando o pequeno e cinzento uirapuru inicia seu canto, todos os outros silenciam e, o que é ainda mais interessante, vêm depositar aos seus pés oferendas: sementes, galhos, alimento.
CANTO LÍRICO - Lírica é a qualidade de algo sentimental, que se destaca pelo seu excessivo sentimentalismo. Este adjetivo costuma ser utilizado para se referir ao gênero literário composto pelo uso do canto e da música, onde o autor da obra utiliza-se do “eu-lírico” para expor intensas emoções e sentimentos no texto.
UIRAPURU
Certa vez de montaria -
Eu descia um Paraná
O caboclo que remava
Não parava de falar, ah, ah
Não parava de falar, ah, ah
Que caboclo falador!
Me contou do lobisomen
Da mãe-d'água, do tajá
Disse do jurataí
Que se ri pro luar, ah, ah
Que se ri pro luar, ah, ah
Que caboclo falador!
Que mangava de visagem
Que matou surucucú
E jurou com pavulagem
Que pegou uirapuru, ah, ah
Que caboclo tentadô
Caboclinho, meu amor
Arranja um pra mim
Ando roxo pra pegar
Unzinho assim
O diabo foi-se embora
Não quis me dar
Vou juntar meu dinheirinho
Pra poder comprar
Mas no dia que eu comprar
O caboclo vai sofrer
Eu vou desassossegar
O seu bem querer, ah, ah
Ora deixa isso pra lá
Análise do texto
Nesse texto, feito especialmente para a música, aparecem muitas palavras de uso regional e
algumas que estão fora do vocabulário usual de hoje:
"Montaria" (verso 1): canoa ligeira feita de um só bloco de madeira.
"Paraná" (verso 2): braço de rio.
"Lobisomi" (verso 7): lobisomem.
Mãi-d'água (verso 8): figura lendária de bela mulher que mora no fundo do rio e encanta
aqueles que a vêem ou ouvem sua voz, levando-os para as águas profundas de onde não
retornam nunca mais
Tajá (verso 8): planta de grandes folhas verdes, sem flor, de muita variedade na Amazônia
e à qual se atribuem poderes mágicos.
Jurutahy (verso 9): pássaro que possui um canto triste.
Visagem (verso 13): fantasma, aparição.
Surucucu (verso 14): cobra de grandes proporções e das mais venenosas da Amazônia.
Pavulagem (verso 15): gabolice, fanfarronada.
Uirapuru (verso 16): passarinho de canto especial, o artista da floresta.
"Rôxa" (verso 21): roxa de vontade, com muita vontade.
"Um zinho" (verso 22): só um, apenas um.